quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Quituteira, "bana bana" ou "mama benz": uma breve reflexão sobre o papel da mulher na economia em África e em países da diáspora




Por Liliane Braga*


A sombra da árvore a ajuda a se proteger do sol. Ao seu redor, balaios guardam mangas, bananas, amendoim, castanhas... Ela se veste de muitos tons. A saia é feita do mesmo tecido de onde foi tirado o torso e o pano da costa que recai sobre o ombro.
Não, não estamos diante de um quadro de Debret[1] retratando o Rio de Janeiro do Brasil colonial. Também não estamos na Bahia de um dia qualquer do ano atual. Estamos no ano de 2008 em Gorée, Senegal – litoral oeste do continente africano e um dos três principais entrepostos de tráfico negreiro pelo oceano Atlântico.
O que diferencia e o que aproxima as mulheres comerciantes desta ilha das vendedeiras afro-brasileiras, escravas de ganho que viraram quituteiras e que circulam pelas ruas, praças, feiras do lado de lá do além-mar?
O que as aproxima não é a vestimenta apenas, não são os seus cestos, esses que vemos, que há centenas de anos lhes possibilitam rendimentos. O que as aproxima é um balaio cultural existente em diferentes países da África e da diáspora africana e que é geracional, de mãe para filha, de avó para neta, e do qual faz parte a vestimenta; do qual fazem parte práticas culturais que estão nas cozinhas, nos cultos, nos quintais... E está na função de comerciante também, daquela que lida com dinheiro e bens.
No Brasil, essas mulheres são depositárias de patrimônios civilizatórios e do conhecimento espiritual do Candomblé. São “quituteiras”, “baianas de acarajé”. Foram fundamentais para o surgimento das escolas de Samba. Manipulam significantes quantias de dinheiro para realizar as atividades que as agrupações culturais e espirituais exigem. Fora de suas comunidades, fazem parte da fachada turística de cidades como Rio de Janeiro e Salvador na Bahia. Para a sociedade, engrossam o mercado informal e, além de comerciantes, são faxineiras, cozinheiras, lavadeiras.
Em Gana, país anglófono do oeste africano ao sudoeste do Senegal, as mulheres comerciantes são chamadas de “mama benz”, como me contou a economista jamaicana Mariama Williams: atrás de sua banquinha de fruta, há alguém dirigindo o seu carro de luxo, muitas vezes, um “Mercedes Benz”. A banca de frutas na calçada pode “esconder” fortunas, denotando um fenômeno complexo de se analisar.
Na Jamaica, país anglófono do Caribe, elas são comumente tratadas por “higglers”, palavra de origem pejorativa. Por meio das economias acumuladas por elas, são pagos os estudos dos filhos que, muitas vezes, vão completar sua formação em outros países. Apesar da escolarização precária e do fato de que, na Jamaica, essas mulheres se comunicam mais em patuá do que no “idioma oficial” (o inglês), essas mulheres se organizam em associações financeiras chamadas “Su su”, pelas quais chegam a comprar casas e acumular bens. Nesse tipo de associação, várias mulheres se comprometem a depositar determinada quantia a cada mês e, ao fim de um determinado período, uma delas é beneficiada com o valor acumulado. Todas têm que se comprometer a continuar no “negócio” após o seu próprio saque, até que as demais sejam beneficiadas também.
No Senegal, toda comerciante, ou “bana bana”, como são chamadas em wolof, pertence a uma associação ou “mbootay”. O “tontine” – que é o “su su” das senegalesas – pode ser usado para salvar as economias de quem precise comprar móveis para a casa ou realizar a peregrinação a Meca, a cidade sagrada dos mulçumanos – que representam 94% dos 9.800.000 de habitantes desse país africano. Ao final do período de depósito, todas as mulheres associadas sacam a quantia acumulada e realizam juntas a peregrinação.
As mulheres sempre foram comerciantes no território senegalês. A chegada do Islã, por volta do século VII, não as impediu de continuar desenvolvendo esse papel e as práticas tradicionais foram conciliadas com as leis do Alcorão. Quando nasce uma criança, é a mulher quem conduz a cerimônia em que o bebê ganhará um nome antes mesmo da participação do Imã – o líder religioso islâmico..
Segundo informações coletadas no site da rede internacional “Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing[2]” (WIEGO), do total de mulheres trabalhadoras na África sub-saariana, 84% delas estão no mercado de trabalho informal (excluindo empregos na agricultura), enquanto entre os homens “empregados” esse número é de 63%. Na América Latina, 58% do total de mulheres trabalhadoras estão nesse mercado, contra 48% do total percentual de homens atuantes no mercado de trabalho. Essas informações demonstram que, nos países em desenvolvimento, o emprego informal é um setor de emprego que envolve mais mulheres do que homens. Em complemento aos números, quituteiras, bana banas e mama benz comunicam identidades culturais complexas e importantes paras as economias de países da África e da diáspora.

Liliane Braga tem 31 anos e é jornalista independente, mestre em Psicologia Social e produtora de intercâmbios de Hip-Hop, cultura que acredita favorecer a construção de identidades positivamente afirmadas a partir da releitura crítica dos processos históricos que marginalizaram negros(as) e outros grupos humanos mundo-afora. E-mail: bragaliliane@hotmail.com




[1] Jean-Baptiste Debret (1768/1848), pintor e desenhista francês que integrou a chamada “Missão Francesa”, que fundou no Rio de Janeiro a Academia Imperial de Belas Artes. De volta à França, Debret publicou “Viagem Pitoresca e História ao Brasil”, trabalho em que procura relatar não só aspectos da natureza ou da política no Brasil, mas também costumes, religião e cultura. O cotidiano das ruas do Rio de Janeiro do século XIX é um de seus enfoques.
[2] “Mulheres no Trabalho Informal: Globalizando e Organizando”

sábado, 9 de agosto de 2008

Sobre o blog Diaspóricas...


Diaspóricas nasceu de uma diáspora. Mas as diásporas são muitas. Eu sou uma diaspórica, apesar dessa não ser minha única identidade. Diaspóricas fala de diásporas. Não de todas elas. Fala de diásporas africanas, negras diásporas...